“ Um edifício feio cinzento e acachapado, de trinta e quatro andares apenas. Acima da entrada principal, as palavras Centro de Incubação e Condicionamento de Londres Central e, num escudo, o lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade, Estabilidade. A enorme sala do andar térreo dava para o norte. Apesar do verão que reinava para além das vidraças, apesar do calor tropical da própria sala, era fria e crua a luz tênue que entrava pelas janelas, procurando, faminta, algum manequim coberto de roupagem, algum vulto acadêmico pálido e arrepiado, mas só encontrando o vidro, o níquel e a porcelana de brilho glacial de um laboratório. À algidez hibernai respondia a algidez hibernai. As blusas dos trabalhadores eram brancas, suas mãos estavam revestidas de luvas de borracha pálida, de tonalidade cadavérica. A luz era gelada, morta, espectral. Somente dos cilindros amarelos dos microscópios lhe vinha um pouco de substância rica e viva, que se esparramava como manteiga ao longo dos tubos reluzentes. — E isto — disse o Diretor, abrindo a porta — é a Sala de Fecundação. ” Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo – E isto – disse o Professor, abrindo a porta para o novo milênio – é a Universidade Nova... ... uma proposição que o Brasil contemporâneo abraçou politicamente para o Ensino Superior durante o Governo Lula (2003-2010), na tentativa de desconstruir desigualdades e processos de exclusão do Mundo Novo, aquele que o pensamento científico moderno construiu como identidade do século XX e estabilizou como modo hegemônico de explicação do mundo, aquele que Aldous Huxley ficcionalmente construiu em 1931. Admirável Mundo Novo é, sobretudo, um livro sobre a educação, sobre como educar para matar a humanidade, sobre como homogeneizar os processos do conhecer para destruir a criatividade singular de cada indivíduo. A respeito de uma crítica dirigida ao autor, deferida por um “eminente acadêmico”, Huxley satiriza um monumento aos professores: “ Ouvi de um eminente crítico acadêmico a observação de que eu sou um triste sintoma do fracasso de uma classe intelectual em tempos de crise. A inferência é, suponho, que o professor e seus colegas são alegres sintomas de êxito. Os benfeitores da humanidade merecem as honras e a comemoração devidas. Construamos um Panteão para os professores. Deveria localizar-se entre as ruínas de uma das cidades destruídas da Europa ou do Japão, e acima da entrada eu inscreveria, em letras de seis ou sete pés de altura, estas simples palavras: Consagrado à Memória dos Educadores do Mundo. SI MONUMENTUM REQUIRIS CIRCUMSPICE. (...) Mas Admirável Mundo Novo é um livro sobre o futuro e... ” Quero pensar que, se era esse, em 1931, um livro sobre o futuro, era um livro sobre uma educação que nos levou para esse futuro. O verbo no passado não está incoerente, pois Huxley direciona sua crítica ao acadêmico do Admirável Mundo Novo, aquele das décadas posteriores, que certo de suas certezas científicas, colaborou na construção de um mundo que hoje já nos aparece com sinais de caduquice. Eis que, se era então um livro sobre a educação, a provocação que ele nos traz ainda hoje é a pergunta que fazemos neste primeiro editorial: para qual futuro está nos levando a educação, especificamente essa que começamos a construir sob a proposta da Universidade Nova? A pertinência do termo “Universidade Nova”, no contexto brasileiro atual, parece querer atender a duas demandas sociais específicas. Uma primeira demanda, de contexto mais amplo, do próprio universo acadêmico como lugar de produção de conhecimento para a melhoria de vida dos indivíduos em sociedade: uma demanda pela interdisciplinaridade. A segunda demanda diz respeito a um contexto mais restrito, o contexto de reformulação do ensino superior brasileiro a partir da implantação do REUNI. Deixando de lado nesse momento a demanda mais restrita, a Universidade Nova aparece como proposta de uma nova arquitetura da organização curricular-programática dos cursos de graduação, que ofereceria a possibilidade de formação básica por grandes áreas do conhecimento. Nesse sentido, tal proposta se conjuga muito bem com as demandas atuais por novas formas de pensar cientificamente o mundo, a sociedade e os indivíduos que nela vivem. Não é à toa que o documento que traz as Diretrizes Gerais para a implantação do REUNI procura valorizar a flexibilização e a interdisciplinaridade, diversificando as modalidades de graduação, na tentativa de proporcionar aos estudantes formação mais ampla e humanista e o desenvolvimento do espírito crítico.
Algumas palavras (de Bakhtin, palavra como signo ideológico) carregam embates históricos que nos chamam a atenção para o que está em jogo em determinadas esferas de atuação dos sujeitos na sociedade. Por isso aquelas palavras do Admirável Mundo Novo – “identidade” e “estabilidade” – não combinam com as palavras da Universidade Nova: “flexibilização” e “interdisciplinaridade. Ao opor, por exemplo, à palavra “disciplina” a palavra “interdisciplinaridade”, os sujeitos que atuam no mundo acadêmico atual estão cada vez mais reconhecendo naquela um série de fios ideológicos contra os quais essa pretende se opor quase que radicalmente. Logo, outras palavras surgem para clarear a disputa, e já podemos então falar em novos tipos de Bacharelados (BC&T, por exemplo), liberdade de escolha do aluno na construção curricular do seu curso, etc. No jogo político-acadêmico instaurado pela proposta da Universidade Nova outras questões mais antigas são retomadas com mais vigor. A título de exemplo, um dos pilares da Universidade pública brasileira é a indissociabilidade entre pesquisa e extensão e ensino. Tivemos, na 1ª Semana de Ciência e Tecnologia, a defesa feita pelo Prof. Dr. Dácio Roberto Matheus (Coordenador BC&T - UFABC), de um programa implantado por lá chamado PDPD (Pesquisa Desde o Primeiro Dia), orgulho de como a UFABC incentiva seus alunos a se preocuparem com a pesquisa desde o primeiro dia que colocam os pés na Universidade. Conscientes de que o programa é um atendimento direto aos argumentos principais que levaram a instalação da UFABC naquela região industrial do Estado de São Paulo, vale como provocação o fato de não ter sido dito por aqui, por exemplo, algo sobre a necessidade regional dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri por um EDPD: Extensão Desde o Primeiro Dia. Encerramos
este primeiro Editorial com dois pensamentos, na tentativa de provocar mais reflexões
do que respostas para a pergunta que já fizemos – e que gostaríamos de reforçar
aqui provocando o novo leitor que nasce com esse novo jornal – insistimos na
tentativa de fazê-lo pensar para longe dos novos prédios brancos, alvos,
“frios” e ainda “crus” que mais tardar nos entregarão os peões... não seriam
eles os tais indivíduos que vivem a vida na tal sociedade que está em busca
daquelas melhorias pela qual o conhecimento produzido na UFVJM deveria
trabalhar?... para qual futuro estamos levando
o mundo com a nossa participação na construção dessa Nova Universidade? O que sei é que a
solução não estará só na tecnologia e no desenvolvimento econômico. Roosevelt
levou em conta o custo humano da situação de crise. Sem interesse real por aquilo que o outro tem para dizer não se faz interdisciplinaridade. Só há interdisciplinaridade se somos capazes de partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e para nos aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo. Olga pombo, em Interdisciplinaridade e integração dos saberes |
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